"Viaje além de sua imaginação"

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Os contos de Lesaint (Parte Final)

- Ah, encontrei... Hoje. Na plantação de trigo.

- Tolo! Não vê que pode ser um dos livros do senhor que ele deixou cair!? Ah, se ele descobre, você está morto, precisa se livrar disso.

- Tudo bem mamãe... Mas posso ler uma história? Aqui diz que são histórias de ninar.

- Leia, filho...

O irmão mais novo estava sentado em uma das cadeiras da mesa de jantar, observando a cena, ouvindo a história do irmão atentamente. No começo parecia algo bastante inocente, mas aos poucos os traços de perversidade começaram a surgir: "...e ela comeu a própria cabeça".

- Chega! Pare de ler essa porcaria! Onde já se viu!? Que espécie de contos de ni... - a mãe deles não chegou a concluir a frase, ficou paralisada de boca aberta.

- Mamãe?

Os olhos dela começaram a revirar e lágrimas de sangue começaram a descer deles e pouco depois, de seus ouvidos. Um barulho esquisito parecia sair de sua cabeça, como se os ossos do crânio estivessem se esmigalhando e de fato estava, a cabeça parecia que estava sendo comprimida, esmagada, estava afundando. Os olhos começaram a saltar para fora caindo no chão junto com os restos de massa cefálica, agora a cabeça estava disforme e afundava para dentro da garganta dela, o maxilar se mexia como se estivesse mastigando algo e de fato estava, a mãe dele estava devorando a própria cabeça, em pouco tempo, os últimos fios de cabelo haviam sido engolidos pela garganta da mulher e ela desabou no chão.

Os meninos começaram a gritar desesperados, logo o pai deles e a avó chegaram no local e viram o sangue por toda parte e o cadáver da mãe dos garotos. O pai, chorando e suando frio, perguntava gaguejando aos filhos o que tinha acontecido e então o irmão mais novo contou tudo, que depois do "conto de ninar" a mãe devorou a própria cabeça.

Obviamente ele não acreditou naquele absurdo, mas não conseguia provar que havia sido alguma outra coisa, já que não havia armas nem nada perigoso no local. A velha chorava ajoelhada perto do corpo da mulher. O pai pegou o livro negro e o jogou em uma fogueira. Pouco depois, o senhor Lesaint apareceu por lá.

- O que diabos aconteceu por aqui? - disse ao mesmo tempo que entrava na casa dos servos, viu o cadáver da mulher - Mas que...

- Senhor, nós podemos explicar! - adiantou-se o pai.

- Não me expliquem nada seus sádicos! Tratem de se livrar desse corpo ou os próximos serão o de vocês! Bah! Um a menos para trabalhar, como esperam me sustentar assim seus imundos? - e foi embora de volta a sua casa, resmungando coisas incompreensíveis.

Durante os dias que se seguiram, o menino mais velho permaneceu imóvel, não falava, não ouvia e nem sequer piscava os olhos, estava em estado de choque pela morte da mãe. O pai estava desesperado, não sabia o que fazer, ou melhor, não havia o que fazer. Todos os dias ele alimentava o garoto com sopa e rezava, na esperança que um dia ele voltasse a falar e a se mexer. Em uma certa noite, o pai dos meninos estava em um sono profundo, repleto de pesadelos, sonhava que estava sendo controlado como uma marionete. Nesta noite, ele acordou com os olhos vidrados e foi até o filho mais novo, pegou-o pelas pernas e foi arrastando-o para fora de casa. Chegou na cova em que o livro tinha sido encontrado e jogou o garoto dentro dela, ele continuava como um boneco, sem expressão alguma. O pai pegou uma pá e começou a enterrar o filho.

No dia seguinte, a velha acordou o pai dos meninos com seus gritos escandalosos.

- É ele! Só pode ser obra dele! Ele voltou!

- Acalme-se mãe! Ficou maluca!? - dizia o filho dela.

- O duende! Oswald! O duende voltou, ele está fazendo tudo isso! Ele levou o seu filho!

- Ah não! Meu deus! O que está acontecendo!? Porque ele levou o Gerald!?

- Não sei! Devemos falar com o senhor Lesaint!

- Está doida!? Ele não vai ouvir a gente!

- Não me impeça Oswald! - então a velhinha foi em direção a casa dos Lesaint, o mais rápido que pôde.

Na noite anterior àquele dia, o filho único de Lesaint havia encontrado um livro embaixo de sua cama, era negro e tinha o título: “Contos de Ninar do Tio Lesaint”,então começou a lê-lo. "... logo após jantarem, garfos e facas voaram contra todos, pregando-os na mesa de madeira e...", o menino fora interrompido, a mãe dele o chamava para jantar.

A velhinha chegou na casa dos Lesaint, bateu na porta, mas ninguém a abria, agora batia com mais força, mesmo assim não havia nenhum sinal de alguém lá dentro. Ela resolveu espiar pela janela. Normalmente os Lesaint já teriam aberto a porta e difamado a velha, quem sabe até teriam dado chicotadas também.

Observando através da janela que dava na sala de jantar deles, ela viu, a chacina em cima da mesa. Estavam todos mortos, todos os Lesaint, pregados na mesa com garfos e facas; a madeira lisa agora tingida de vermelho.

A velha ficou sem ar, sentiu um calor anormal junto com um frio esquisito, mal conseguindo respirar, voltou para o seu casebre, caindo inúmeras vezes durante o caminho.

- Oswald... Oswald!

- O que foi mãe!? - Oswald vinha correndo dos fundos da casa - Os Lesaint fizeram algo com você!?

- Estão mortos... Todos eles, todos os Lesaint!

- O QUÊ!? Como... Como isso foi acontecer!?

- Não sei Oswald! Mas temos que ir embora daqui rápido! Antes do anoitecer!

- Sim! Vou pegar o necessário!

- Eu vou buscar o Herald - disse a velha senhora.

No fim da tarde, todos os servos de Lesaint, sabendo de sua morte, haviam deixado o local junto com os servos do casebre. Ali nas imensas terras dos Lesaint já não tinha mais nenhum ser vivo. Apenas os restos mortais de quem outrora estava respirando, que habitarão aquela pequena região para sempre. O pequenino estava sozinho novamente, sem mais ninguém para divertí-lo, só o restava ir para outro lugar.


"Dizem que agora habita as terras dos Blosson, mas não há certeza. Não sabemos se o levaram de volta para o inferno ou se ele ainda está entre nós, mas se ele estiver, que Deus nos proteja."



Fim.

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