"Viaje além de sua imaginação"

quarta-feira, 10 de março de 2010

Aracnídea (Parte Final)

- Para onde iremos querido?

- A casa da minha mãe é bem grande, vamos ficar por lá até que encontremos outra casa - respondeu meu pai.

- Está bem... Peter e Jackson, os dois, vão para o quarto, arrumar as coisas, amanhã vamos embora - completou mamãe.

Meu quarto estava uma verdadeira bagunça, eu não tinha a menor coragem de ficar sozinho arrumando meus brinquedos e minha cama. Peguei uns brinquedos que estavam no chão e os coloquei de volta no baú. Com meu irmão no quarto eu não podia temer a nada, então aproveitei para arrumar a cama, mesmo sabendo que aquela era a minha última noite na casa, não queria perder o hábito.

A terceira noite havia chegado e trazia com ela os meus medos. O escuro sempre me assustou, as pessoas falam que não devemos ter medo dele, porque não tem nada de mais, mas gostaria de saber porque todas as piores coisas só acontecem à noite e por que as malditas aparições também só aparecem ao anoitecer. Agora eu sabia o motivo dos humanos terem medo do desconhecido.

Evitei ficar sozinho naquela noite. Não sei por que, mas aquelas coisas só perseguiam a mim quando eu não estava acompanhado de ninguém, meu irmão não dera sinal algum de que algo estava pertubando ele também.

Já era a hora de dormir, eu e meu irmão fomos para o quarto após termos escovado os dentes. Tudo parecia bastante tranquilo, a mulher aranha não tinha aparecido nenhuma vez e eu estava achando que dormiria em paz. Meus olhos cerravam-se quase automaticamente devido ao sono e em poucos minutos pude contemplar a imagem de minha mãe em meus sonhos, ela estava em um campo de flores amarelas dançando com uma bailarina, o rosto da mulher aracnídea apareceu de repente.

Abri os olhos assustado, alguém gritava no meio da madrugada, uma mulher, mamãe. Meu quarto estava sendo iluminado apenas pela luz fraca do abajur, via meu irmão sentado na cama com os olhos arregalados, eu estava querendo saber o que estava acontecendo, pondo os pés no chão gelado, saí da cama.

Chamei meu irmão para me acompanhar, Jackson apesar de mais velho, era mais medroso do que eu. Abri a porta devagar, o corredor estava coberto com uma escuridão quase total, não me atrevi a olhar para o quarto no fim dele, aquele em que o tio Les dormiu, sei que eu não iria gostar nem um pouco do que veria se virasse a cabeça para a direita, por isso mantive meu corpo imóvel, apenas olhando para a parede a minha frente, iluminada pela luz alaranjada que saía do meu quarto.

- Mano, pega a lanterna - pedi.

Jackson foi até o baú e o vasculhou, achou a velha lanterna à pilha e a trouxe para mim, saimos devagar do quarto, ele andava atrás de mim, com certeza estava sentindo o mesmo que eu, que alguém olhava para ele lá do quarto do fundo do corredor, obviamente hesitamos em olhar para trás.

Abri a porta do quarto de minha mãe, ela e meu pai olharam assustados para mim.

- O que foi pai? - perguntei.

- Sua mãe viu uma coisa horrível filho - papai abraçava minha mãe, que chorava sem parar.

- O que?

- Nada filho, nada. Podem dormir hoje com a...

A porta do quarto bateu com força e todos se assustaram, depois a maçaneta girou sozinha e a porta abriu devagar, rangendo. Lentamente, a cara da bailarina sem expressão surgia na fresta.

- Mas que... - meu pai perdeu a voz.

Eu, meu irmão e minha mãe berrávamos de medo. A criatura não entrou no quarto apenas retornou a cabeça de volta à escuridão, devagar, assim como apareceu.

A porta do guarda roupa dos meus pais abriu e de dentro saía uma menina loira de vestido branco, rapidamente todos se sobressaltaram e correram para o corredor, em completo estado de pavor. A adrenalina preenchia todo meu corpo, eu suava frio enquanto sentia um calor irritante. Todos desceram a escada, enquanto eu escorregava pelo corrimão. Lá embaixo percebi que a porta do quartinho debaixo da escada estava aberta.

Bodes chifrudos humanóides saíam um a um do pequeno cômodo, todos pararam em círculos, suas gargantas sangravam sem parar, o sangue escorria pelo chão. Tomados pelo terror, minha família agora tentava abrir a porta, sem sucesso, alguma coisa nos impedia de abrí-la. Os caprinos já não estavam mais lá, agora o espetáculo havia começado no hall de entrada, uma música de ninar, daquelas que saem de caixinhas, tocava no salão, enquanto a bailarina, aquela que eu conhecia tão bem, saía do quartinho e começava a dançar, uma apresentação que poderia ser bela, não fosse o fato de que a mulher tinha um rosto de plástico, inexpressivo, e que aquilo não combinava em nada com o ambiente.

Todos nós assistíamos apavorados ao show, a bailarina agora fazia malabarismo com a própria cabeça, a tão conhecida cabeça aracnídea. Sombras passavam pelas janelas, gritos podiam ser ouvidos nos quartos do andar de cima, a menina de vestido branco chorava na cozinha e risadas pareciam sair da tapeçaria no centro do hall. Não aguentávamos mais tudo aquilo, não podíamos fazer nada além de contemplar aquele show de horrores vindo diretamente do mundo dos mortos. Chorávamos e berrávamos, pedindo para que aquelas coisas fossem embora, fechei os olhos com força, uma enxaqueca tomava conta de meu cérebro, de repente tudo parou.

Quando abri os olhos não havia mais nada no hall, apenas eu e meu família. Olhei para o relógio, eram cinco e meia da manhã, o primeiro e fraco raio de sol brilhava no horizonte. A porta atrás de nós, agora abria, gentilmente. Fomos para fora da casa, meu irmão foi para o balanço, enquanto eu e meus pais observávamos o casarão.

- Bom, parece que acabou - comentou meu pai.

Mais tarde no mesmo dia, apanhamos nossas malas e fomos para a casa da mãe do papai, abandonando aquela casa cinzenta para sempre.

Em meus quinze anos, voltei para rever a velha casa mal assombrada, eu e um grupo de amigos, que não acreditavam em minhas histórias sobre o lugar, muitos deles estremeceram só de ver o casarão. Nesse dia, encontrei um velho senhor que se encontrava parado observando a casa também, resolvi falar com ele.

- Bom dia senhor, conhece a casa?

- Olá meu jovem, se a conheço? - O velho riu - Sou o dono dela.

- Dono!? O senhor tem quantos anos?

- Esqueça jovem. Eu sei que morou nela, é o pequeno Peter não é?

- Como sabe? Nunca vi o senhor.

- Ah, mas eu o vi, seu pai me mostrou uma foto da família enquanto conversávamos para entrar em acordo com a venda da casa.

- Nossa, que memória hein?

- A idade me tirou muitas coisas mas não a memória, sou um velhote diferente.

- Senhor... Você sabe que a casa...

- É mal assombrada, eu sei.

- Sabe?

- Deixe-me contar uma história rapaz. Eu e minha esposa éramos muito jovens quando mandamos construir esta casa, tínhamos em mente muitos planos bons para o futuro, o primeiro deles, um filho. Nossa menina, Amelie, tinha nascido, os olhos dela eram tão claros e os cabelos eram loiros como os meus, na época que eu os tinha claro. Eu estava me dando muito bem no trabalho, ganhava cada vez mais e assim ia aumentando o tamanho da casa. Com o dinheiro também viajávamos bastante. Em uma dessas viagens, compramos uma tapeçaria no mercado negro, idéia da minha mulher, ela era maluca. A ilustração era bonita, mas tenho que admitir que era de muito mal gosto, várias pessoas desfiguradas olhavam para um lugar em comum, onde não tinha nada. Pouco tempo depois de termos chegado de viagem, minha esposa teve um ataque cardíaco e morreu, depois de alguns dias, minha filha havia caído da escada e tinha falecido também. Morando sozinho, passei a ver Amelie e Nora, minha mulher, andando ou dançando pela casa, o sonho dela era ser uma grande bailarina. Certo dia eu fui olhar a tapeçaria e adivinhe só, minha mulher e minha filha estavam nela, ocupando o lugar que estava vazio, eu achava que estava ficando louco, então me mudei.

- Então... Tudo aquilo... Meu deus...

- Acho que agora você deve estar associando as coisas meu jovem.

- Espere um pouco, já volto!

Fui até o casarão e abri a porta, que estava mais velha do que nunca. No hall de entrada olhei para a tapeçaria, todos os rostos deformados olhavam para a figura de uma bailarina e sua linda filha.



FIM

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